De uma coisa pouca gente duvida: conhecimentos básicos sobre o movimento dos astros no céu são patrimônio da humanidade desde que o mundo é mundo. Monumentos pré históricos que dão testemunho desse conhecimento aparecem no planeta todo e ninguém nunca precisou de tecnologia avançada, aliás, de tecnologia nenhuma para entender o traçado aparente do Sol, da Lua, dos planetas e das estrelas. "Tais conhecimentos vêm da observação da natureza e qualquer caçador coletor é capaz de obtê los", diz o arqueólogo Eduardo Góes Neves, da USP.
Entre as evidências mais antigas desse saber, estaria uma estatueta de marfim de mamute, achada na atual Alemanha e com mais de 30 mil anos de idade.
Segundo o alemão Michael Rappenglück, especialista em arqueoastronomia (os conhecimentos astronômicos dos povos antigos), a estatueta, com forma humana estilizada e cabeça de leão, seria uma das representações mais antigas da constelação de Crion.
Certo ou errado, Rappenglück provavelmente tem razão em apontar que as constelações são reconhecidas como tais há vários milhares de anos. Quase tão antiga quanto esse conhecimento é a percepção de que o Sol traça um caminho (que hoje sabemos ser apenas aparente, pois quem se move é a Terra) pelo céu ao longo do ano, e que esse trajeto determina as estações do ano; e que algumas "estrelas" – chamadas hoje de planetas se movimentam também pela abóbada celeste, enquanto outras permanecem (aparentemente) paradas ali o tempo todo. Monumentos do Neolítico, com idade entre 5 mil e 10 mil anos, deixam claro que já se sabia calcular momentos como o solstício de inverno, a data usada hoje para marcar o início dessa estação e que define o momento em que um dos hemisférios da Terra recebe menos luz solar durante o ano.
Ao juntar o conhecimento sobre as constelações com o caminho que o Sol, a Lua e os planetas descrevem no céu, os povos antigos passaram a contar com um verdadeiro relógio cósmico, que os ajudava a prever mudanças relevantes no clima e na natureza. Isso se tornou ainda mais importante com o avanço da agricultura, porque o único jeito de plantar e colher no tempo certo era seguir os sinais do céu. É claro que não dá para afirmar nada sobre isso com certeza (afinal, tais fatos aconteceram milhares de anos antes que a história começasse a ser registrada em forma escrita), mas é bastante possível que a mente dos povos antigos tenha saltado da conexão entre os acontecimentos celestes e os ciclos da natureza para uma relação direta entre os astros e a história de cada ser humano.
Coincidência ou não, parece ter sido na Mesopotâmia, o mais antigo berço da agricultura, que a idéia do que hoje chamamos de astrologia tomou corpo. Cerca de 1000 anos antes de Cristo, no mínimo, povos como babilônios e assírios já sabiam prever com precisão eclipses do Sol e da Lua. E iam além disso. Nas tabuletas de argila usadas como livros por esses povos do atual Iraque, arqueólogos encontraram predições que associavam as mudanças no céu a calamidades na Terra: "Quando Júpiter estiver na frente de Marte, haverá trigo nos campos e homens serão mortos... quando Marte se aproximar de Júpiter, haverá grande devastação... naquele ano o rei de Akkad morrerá", e por aí vão os registros. É dessa região que vem o mais antigo mapa astral traçado para o nascimento de alguém, uma criança que veio ao mundo ao sul da atual Bagdá em 29 de abril do ano 410 a.C. O calendário na Babilônia já era solar, o que permitiu aos pesquisadores calcular com exatidão a data do nascimento.
Pouco a pouco, essas observações e predições relativamente simples foram dando lugar a um sistema padronizado, que dividia o céu em 12 casas, correspondentes aos 12 signos do zodíaco ainda usados hoje. Como o próprio Kepler explicaria mais tarde: "Os fazendeiros precisavam buscar seu calendário no céu. Quando a Lua estava cheia, eles podiam ver, por exemplo, que a primeira lua cheia aparecia nos chifres de Áries, a segunda perto das Plêiades, a terceira perto de Gêmeos, etc., e que finalmente a 13a aparecia de novo na primeira constelação". Esse primeiro calendário, lunar, foi unido à trajetória do Sol para criar a primeira versão da folhinha de 365 dias que ainda utilizamos.
Os conhecimentos mesopotâmicos não demoraram a se espalhar. Para o oeste, eles chegaram até o Egito e a Grécia; para leste, foram abraçados pelos persas, lar da casta dos magos, a classe de sacerdotes envolvida no estudo da astrologia que daria origem à história dos Reis Magos. No século 4 a.C., boa parte dessas terras, das Cidades-Estado gregas às fronteiras da Índia, foram anexadas ao império de Alexandre, o Grande, criando um ambiente propício para que o conhecimento astrológico (e astronômico) se tornasse unificado e padronizado.
A adoção do grego como língua oficial da ciência e da cultura só fez impulsionar o intercâmbio entre estudiosos dos astros. E quando Roma chegou ao poder, o conhecimento astrológico foi abraçado com entusiasmo por seus poderosos nobres. Consta que vários imperadores romanos não davam um passo sem consultar seu astrônomo particular. Adriano, cujo reinado terminou no ano 138, teria feito predições para si mesmo todo santo ano.
Foi por volta da mesma época que um egípcio de fala grega, Cláudio Ptolomeu, desenvolveu a tese de que o Universo era ordenado por um modelo geocêntrico, no qual o Sol, a Lua e todos os demais planetas giravam em torno da Terra. Foi a primeira vez que alguém tentou explicar de forma coerente a mecânica do Cosmos. Estava tudo errado, claro, mas para o que se sabia na época ele até que se saiu razoavelmente bem. O trabalho ficou conhecido pelo nome árabe de Almagesto.
Almagesto
A cara metade do Almagesto, por assim dizer, era o chamado Tetrabiblos ("4 livros", em grego). Enquanto o primeiro descrevia o movimento dos planetas, o segundo era um guia de como interpretá los, explicando todas as regras básicas do trabalho astrológico de como traçar um mapa astral até um método para determinar a duração da vida de uma pessoa no nascimento. Nos séculos seguintes, o Tetrabiblos passaria a ser o guia padrão para qualquer astrólogo que se prezasse.
Por volta dessa época, também, Ptolomeu e outros astrólogos proeminentes estabeleceram a divisão da astrologia em 4 ramos principais. A divisão tentava cobrir todos os ramos da atividade humana de forma completa e adequada.
Ptolomeo
Assim, surgiram a área mundana (ligada à sociedade como um todo, prevendo coisas como clima, colheitas, guerras e política); natal, baseada na data de nascimento de alguém (ou de alguma coisa, como a fundação de uma sociedade); horária, na qual um mapa astral é traçado com base na hora em que uma questão foi feita ao astrólogo; e eletiva, cujo propósito é escolher (ou eleger, como diz o nome) o melhor momento para se fazer alguma coisa.
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