A ordem religiosa denominada Pobres Cavaleiros de Cristo, mais conhecida como Templários, caracteriza-se como um dos maiores fenômenos da história ocidental. Desde o surgimento até o declínio, os Templários alcançaram a condição de maior força bélica e religiosa da Europa medieval; estando acima, inclusive, da monarquia e das outras ordens clericais.
“Ó Filhos de Deus, é necessário que partam sem tardar em socorro de seus irmãos que habitam nos países do Oriente. Um povo vindo da Pérsia, os turcos, invadiu seu país. Por isso os exorto e lhes suplico para que partam em auxílio dos cristãos e rechacem esse povo nefasto para longe de nossos territórios. [Sejam] doravante cavaleiros de Cristo.” É com estas palavras que em 1098 o papa Urbano II lança a aventura da primeira Cruzada. No ano seguinte, Jerusalém é retomada aos mulçumanos, conquista frágil que deve ser consolidada.
Foi então, que, em 1118, Hugues de Payns, cavaleiro da região de Champagne, e oito de seus companheiros se propõem dedicar sua vida na proteção dos peregrinos que se dirigem à Terra santa. Estabelecidos por Balduíno II, rei de Jerusalém, na mesquita de Al-Aqsa, edificada sobre parte das ruínas do templo de Salomão, esses “Pobres Cavaleiros de Cristo” recebem o apoio de Bernardo de Clairvaux, antes que o concílio de Troyes aprove a regra dessa “milícia de Deus.”
Pobreza Dos Cavaleiros e Poder Financeiro Da Ordem
A regra dos Templários, extraída da regra cisterciense de são Bento, é marcada sobretudo por grande austeridade: os irmãos, reconhecidos por seu hábito branco com uma cruz vermelha na frente, fazem os votos de obediência, pobreza e castidade. Devem assistir à missa todos os dias, vestir-se de modo simples e comer aos pares no mesmo prato.
Votados à defesa dos peregrinos e dos caminhos que conduzem à Terra santa, os Templários tomam parte sempre mais ativa nos combates sangrentos em que se enfrentam cristãos e mulçumanos. A fim de desempenhar esse novo papel, os monges-soldados se cercam de numerosos auxiliares: capitães de exército, capelães e servidores. Na chefia da Ordem, o grão-mestre é assistido por um conselho, o capítulo, e por oficiais. Os territórios protegidos e logo administrados pelos Templários são divididos em províncias. Desenvolve-se assim toda uma rede de comendadorias que são a um tempo praças fortes e áreas de cultivo, mas também “sucursais” encarregadas de recolher dinheiro destinado a financiar as operações no Oriente.
O ideal cavaleiresco e religioso dos Templários suscita tamanho respeito que a ordem se enriquece consideravelmente. Os donativos afluem e muitos jovens, oriundos das melhores famílias, abandonam tudo para aumentar as fileiras dessa piedosa cavalaria. No início do século XIV, não menos de duas mil comendadorias se espalham pelos reinos da Europa e até na Palestina, constituindo uma vasta e segura rede capaz de angariar e fazer circular somas consideráveis, de tal modo que os templários se tornam poderosos banqueiros, cuja fortuna não deixa de atiçar a cobiça.
Nas Chamas da Fogueira
Os reveses sofridos pelos francos na Terra santa anunciam o fim dos Templários. Desde a perda definitiva da Palestina em 1291, de fato, não têm mais razão de existir e a ordem já se dedica quase somente a defender seus interesses financeiros. Isso para grande dano do rei da França Fillipe, O Belo, o qual não esquecera que em 1250 os Templários haviam recusado emprestar o dinheiro do resgate exigido para libertar seu avô, São Luís, que havia caído nas mãos dos mulçumanos. Se o soberano cobiça as riquezas da Ordem, está igualmente animado por uma piedade sincera e não fica insensível aos rumores persistentes que circulam, denunciando os Templários como hereges.
A questão é confiada a um dos fiéis conselheiros do rei, Fillipe de Nogaret, que desencadeia, em vários pontos do reino, a mais espetacular operação policial jamais vista. No dia 13 de outubro de 1307, quase uma centena de dignitários da Ordem é detida, inclusive o grão-mestre Jacques de Molay. Sob tortura, todos confessam uma conduta ímpia e atos sacrílegos que os condenam. O Papa Clemente V tenta interceder em favor dos Templários, porquanto vários deles renegam suas confissões. Mas Fillipe, o Belo, se mostra inflexível. Trinta e seis cavaleiros morrem por causa dos maus tratos que lhes são infligidos, 54 são queimados vivos em maio de 1310. O papado, cujo apoio até então nunca havia faltado, resolve dissolver a Ordem em 1312. Por sua vez, Jacques de Molay se retrata. Considerado como relapso – isto é, convencido de ter recaído na heresia ao renegar suas confissões – também é condenado à fogueira. Seu suplício teve lugar no dia 18 de março de 1314. Com ele desaparece nas chamas da Inquisição a Ordem religiosa e militar mais poderosa que a Idade Média conhecera, perigosa rival de um rei da França decidido em se apoderar de suas riquezas. Poderosa demais, sem dúvida, para desaparecer definitivamente; começa então a segunda vida dos Templários, subterrânea e lendária.
Sodomitas, Maometanos e Esotéricos
O processo dos Templários tinha o único objetivo de desacreditar a Ordem e, para tanto, nada poderia ser mais eficaz do que as mais loucas acusações, confirmadas por confissões perturbadoras. Alguns deles reconheceram, de fato, sob tortura, não somente cuspir na cruz, mas também se entregar à sodomia entre eles. Alguns evocaram o culto de um misterioso ídolo, Bafomet, cuja a descrição varia de uma testemunha a outra: figura demoníaca, personagem andrógeno, de madeira ou de metal, dele, no entanto, jamais foi encontrado vestígio em nenhuma comendadoria. Alguns pensam que a chave da abóbada da igreja de Saint-Merry de Paris representa, sob os traços de um demônio a um tempo barbudo e de fartos seios, Bafomet, e que seu nome seria a deformação daquele do profeta Maomé. De fato, é uma acusação recorrente feita aos Templários: sua demasiado intensa proximidade com os sarracenos. É verdade que os elementos arquitetônicos mulçumanos foram importados no Ocidente por intermédio dos Templários. Entre eles, motivos decorativos simbólicos e iniciáticos orientais que influenciaram a arte gótica nascente. A partir daí fazer os cavaleiros do Templo magos alquimistas versados nos segredos do Oriente, basta um passo.
E para fazer desses monge-soldados depositários de um grande segredos, não se deixa de constatar o estranho ritual que preside a entrada na Ordem, o ritual parecido, certamente com a imposição da armadura ao cavaleiro, mas que deixa entrever muitos aspectos misteriosos. De fato, o futuro cavaleiro deve solicitar três vezes sua “entrada no Templo”, antes de ser aceito. Cercado de doze Templários, pronuncia seus três votos e presta juramento de joelhos, depois de ter ouvido uma fórmula enigmática que o previne de que “de nossa Ordem, só vês a casca que está por fora”… Misteriosa igualmente a constante referência a simbologia dos números: os Templários vazem três votos, têm direito a três cavalos, três comunhões por ano, comem carne três vezes por semana… Quanto a figura geométrica do triângulo eqüilátero, que orna com freqüência suas capelas, refletiria a simbologia medieval clássica ou um código ocultando uma mensagem esotérica?
Séculos de Caça Ao Tesouro
Muita estranheza e mistério cerca realmente a Ordem dos Templários para que ainda hoje não se acredite na dissimulação de um segredo que não deve ser revelado a qualquer custo. Quando de seu processo o comendador do Templo de Laon, Gervais de Beauvais, não evocou por ventura a existência de uma regra secreta conhecida somente por reduzido número de iniciados? Dessa pretensa regra secreta nada se saberá até o final do século XVIII, quando o bispo de Copenhague jura ter encontrado uma descrição dela num manuscrito conservado no Vaticano… manuscrito que deixará que seja furtado! Em 1877, é um erudito alemão, Mertz Dorff, que exuma de uma loja maçônica de Hamburgo um documento que nada mais seria que a famosa regra dos Templários. Os especialistas confirmaram em seguida que se tratava de documento falso, mas mesmo assim fez correr muita tinta e alimentou abundantemente a imaginação de muitos.
Outro pretenso segredo fez correr mais tinta ainda e contribui para adensar a cortina de mistério que cerca os Templários: é o de seu fabuloso tesouro. A Ordem, é verdade, era imensamente rica – fortuna que não é estranha à sua ruína – e, se seus bens fundiários e imobiliários foram transferido à Ordem rival dos Hospitalários, não foi encontrado tesouro algum em nenhuma das comendadorias. Advertidos do complô que se tramava contra eles, cavaleiros teriam podido fugir para por este tesouro em lugar seguro? Muitos escavam ainda… Esperavam encontra-lo no castelo de Gisors, naquele de Chinon, onde foram detidos dignitários da Ordem, na região de Auvergne, na floresta do Leste na região de Champagner, na Inglaterra… Não seria o tesouro dos Templários que o padre Saunières, pároco de Rennes-Le-Château, que se tornou repentinamente rico, teria descoberto em 1886?
Uma Posteridade Ao Mesmo Tempo Fantástica e Trágica
Misturando ideal cavaleiresco das Cruzadas, fascínio do Oriente, fervor religioso da Idade Média e isca do ganho, a lenda dos Templários suscitou um grande número de autoproclamados herdeiros da Ordem, os mais célebre, sem dúvida, Bernard Fabré-Palaprat, um médico oriundo de uma loja maçônica parisiense, que fundou uma organização templária e se proclamou o 22º Grão-Mestre de uma ordem que teria, segundo ele, atravessado os séculos na maior descrição, sob a autoridade de personalidades tão célebres como Bertrand du Guesclin ou a grande Condé. No dia 18 de março de 1808, Fabré-Palaprat chegou até a organizar, com grande pompa, a comemoração do suplício de Jacques Molay, obtendo para isso o aval das autoridades. Napoleão mandou cercar a cerimônia com um destacamento da infantaria, sem dúvida, para controlar os atos desses singulares templários.
O “boato templário” alimentou mais recentemente uma nova lenda que faz dos cavaleiros do Templo os guardiões do Grau. Em 1982, três jornalistas anglo-saxões publicam O Enigma Sagrado, no qual afirmam – entre outras elucubrações – que a dinastia dos Merovíngios descenderia dos amores de Cristo por Maria Madalena e que uma Ordem secreta, o Priorado de Sião, fundado em 1099 durante a primeira cruzada, seria o guardião do santo Graal. O próprio Priorado de Sião reaparece em 2003 no Livro Código Da Vinci, de Dan Brown. O Priorado estaria na origem dos Templários, encarregados de preservar um estrondoso segredo que ameaçaria a Cristandade (sempre os amores comprometedores de Jesus pela bela Maria Madalena!). Estranha sociedade secreta, de fato, esse Priorado de Sião, nascido da imaginação de certo Pierre Plantard, iluminado e mitômano, e cujos estatutos de associação pela lei de 1901 foram registrados no dia 7 de maio de 1956 (e não em 1099!) numa sub-prefeitura da Alta Sabóia…
Em torno da além – ou das lendas – dos Templários, constituiu-se também considerável número de seitas; a mais tristemente célebre é a OTS, ou Ordem do Templo Solar, fundada em 1984 por Joseph Di Mambro, e um médico belga, Luc Jouret. Supondo estar inscrita na continuidade da cavalaria espiritual do Templo, composto por fanáticos, entrou na história em 1994 com o suicídio coletivo de seus membros que acreditavam, uma vez purificados pelo fogo, tornar-se autênticos “mestres secretos do Templo”…
Desse modo, uma Ordem perfeitamente pública, fundada por cavaleiros íntegros, não deixou de suscitar, no decorrer dos séculos, sociedades secretas e às vezes perigosas, apresentando-se como guardiões dela, e hoje ainda continua a alimentar muitos mitos.
Fonte: Livro: Sociedades Secretas – Larousse
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